O Programa “Farmácia Popular do Brasil” tem uma base legislativa muito interessante. Criado pela Lei 10.858 de abril de 2004, foi regulamentado pelo Decreto 5.090 também daquele ano, que definiu que as demais normas complementares à sua implantação seriam publicadas à posteriori. De fato, todas as regras do programa, desde o credenciamento do CNPJ até a suspensão das conexões estão definidas por meio de Portarias, que, com o passar dos anos, foram alteradas, mas que, só para lembrar, são normas administrativas, sujeitas ao rigor da lei. Isso implica dizer que as Portarias só podem legislar quando não confrontam a lei. Se houver confronto, a norma pode ser declarada ilegal.
Ao meu ver, a Portaria de Consolidação nº. 5 de 28/09/2017, que hoje está em vigor, deixa a desejar em vários aspectos: não estabelece diretrizes claras quanto ao procedimento de verificação, análise e auditoria e ainda e pior, repete o mesmo equívoco das suas antecessoras quando ao estabelecer a punibilidade para as empresas que por um motivo ou outro cometeram irregularidades, acabam por imputar uma penalidade ilegal ao RT farmacêutico e ao sócio que não é administrador.
Repetidamente (de Portaria a Portaria) a norma diz:
“ § 3º A penalidade prevista no “caput” estende-se ao proprietário ou empresário individual, aos sócios empresários e, ainda, ao farmacêutico responsável à época em que foram praticadas as irregularidades que ocasionaram o descredenciamento.”
O “caput” do artigo fala que em havendo irregularidades, a empresa conveniada seria punida, além da multa e da devolução dos valores glosados, com a suspensão de dois anos do Programa. Da forma como elaborada, a Portaria passa a legislar sobre temas aos quais não tem competência, quais sejam éticos/profissionais e penais, limitando a empregabilidade para o RT Farmacêutico, além de impor ao RT empregado uma responsabilidade ilegal. E vou além, ela impõe ao sócio que não é administrador uma responsabilidade que nem o ordenamento tributário federal impõe.
Numa linguagem simplista, a norma administrativa que rege o “Farmácia Popular” fala que uma vez suspenso por dois anos o CNPJ que cometeu irregularidades, tal penalidade seria estendida ao RT Farmacêutico, ou seja, o mesmo não poderia ser RT de nenhum outro CNPJ conectado ao Programa.
Isso significa que, uma vez suspenso o empregador em razão de irregularidades, o empregado teria suas atividades laborais limitadas, uma vez que não poderia postular novo emprego em farmácia conveniada ao programa.
Fora essa limitação de empregabilidade, o RT farmacêutico ainda terá que lidar com os processos éticos levados aos Conselhos Regionais pelo próprio DAF e, muito pior, uma vez finalizada a auditoria e encontradas irregularidades, declarado o prejuízo ao erário, o Ministério Público Federal e até mesmo a Polícia Federal podem, além dos seus procedimentos usuais, apresentar a representação ética ao órgão de classe.
Resumindo, apresentando o CNPJ irregularidades no programa, a vida do RT se complica significativamente e de forma ilegal, isso levando em conta que ele não tem poder, enquanto empregado, para ditar a política procedimental da empresa.
Insisto para que os órgãos que defendem a classe se posicionem no sentido de combater tal ilegalidade. E isso há de se dar judicialmente. Ilegalidade de norma administrativa é combatida por meio de decisão judicial.
Renata Abalém é advogada, Diretora Jurídica do IDC – Instituto de Defesa do Consumidor e Contribuinte, Fundadora da ABRASAÚDE – Associação Brasileira de Usuários de Sistemas de Saúde, Planos de Saúde e Seguro Saúde. Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil 2016/2021 e Presidente da Comissão de Direitos do Consumidor da entidade no mesmo período
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